(*) Ennio Crispino
(11/10/2015) – Poucas visões na esfera econômica são menos distorcidas do que a que mostra o importador de bens de capital como um vilão. Trata-se de uma herança da abertura do mercado brasileiro, quando a indústria nacional – ao sentir a ameaça da concorrência estrangeira – fez o que pôde para criar esse estigma, que persiste até hoje.
É, no entanto, preciso que se deixe claro: a indústria brasileira é absolutamente incapaz de suprir a demanda e/ou o nível de qualidade e tecnologia em mais de 30 categorias, entre elas as de insumos como aço, ferro maleável e cobre, e as de máquinas como tornos, centros de usinagem, prensas e injetoras, o que torna a importação essencial. A questão dos tornos, por exemplo, é emblemática: em todo chão de fábrica existe um (esse tipo de equipamento é considerado uma “máquina mãe”) de tão primordial e fundamental que é a sua função em qualquer indústria. A demanda média anual por essa categoria de máquina está entre 2500 e 3000 unidades. Porém, mesmo assim, as quatro empresas instaladas no Brasil que fabricam tornos em suas versões CNC e convencional, seriam capazes de fornecer apenas 1500 unidades por ano usando plena capacidade produtiva.
Enquanto este tipo de equipamento tem que pagar um imposto de importação de 14%, máquinas como centros de usinagem – de ampla utilização em qualquer indústria metal mecânica – pagam uma alíquota maior de 20% há algum tempo. Tal medida tem a clara intenção de proteger os três fabricantes deste tipo de máquina no Brasil, sendo que a capacidade de produção deles não chega a 1000/ 1200 máquinas por ano. Enquanto isso, a demanda usual é de aproximadamente 2000 a 2500 unidades por ano.
Essa medida incoerente, neste caso, teve como único efeito aumentar a importação das peças e dos componentes já manufaturados em centros de usinagem por outros países mais equipados e competitivos. Isso tira o trabalho de milhares de empresas nacionais que certamente poderiam atender encomendas normalmente características do setor automotivo, de petróleo e gás, de geração de energia etc.
O déficit é justamente o que faz das importações de bens de produção um requisito fundamental para a competitividade da indústria brasileira. É possível, historicamente, observar que o protecionismo exagerado de qualquer área leva à estagnação. Os meios necessários para produção dos bens não são renovados, a tecnologia existente é rapidamente superada, as máquinas quebram e ficam sucateadas, a mão de obra também se desqualifica e para no tempo. Portanto, proteger um segmento não autossuficiente é andar na contramão da realidade econômica mundial globalizada e altamente competitiva.
Diante de uma das maiores crises nacionais das últimas décadas, virar as costas para os meios de produção e bens de capital importados é um erro gravíssimo. Um crescimento sustentável requer que o Governo brasileiro passe a incentivar mais a produção e menos o consumo. É preciso que os bens manufaturados sejam produzidos dentro do país, gerando emprego e renda, mas o nível tecnológico e de produtividade da indústria nacional não a capacita para suprir essa demanda.
Importar máquinas e equipamentos industriais só tem a contribuir com esse esforço, mas há outras medidas que precisam ser tomadas. A mera desvalorização do câmbio é insuficiente para garantir que o país retome o rumo do crescimento sustentável através das exportações. Alguns passos precisam ser dados com rapidez. É urgente, por exemplo, uma desoneração fiscal, principalmente quando se trata de investimentos em produção. Hoje, as importações de bens de capital representam nem 20% do total de importações do país. É muito pouco. Essa desoneração traria benefícios tanto para os fabricantes nacionais quanto para os importadores de bens de capital, e a renúncia fiscal seria compensada pela arrecadação com a venda dos produtos manufaturados no Brasil.
Se queremos de fato ser um país moderno e internacionalmente competitivo, é preciso acima de tudo mudar essa cultura de incentivos exclusivos ao consumo. Isso leva tempo e requer vontade política. No entanto, enquanto medidas nesse sentido não são tomadas, o Brasil continua a ser exportador de commodities e a participação de produtos manufaturados despenca ano a ano, fruto da falta de competitividade da indústria local.
(*) Ennio Crispino é presidente da Abimei (Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais)