A “prensa de diamante” da GE: pressão de 1,5 milhão de lbf/in² e temperatura de 5.000°F
(30/10/2022) – A história das invenções, em inúmeros casos, contém erros que acabam por se revelar acertos, acasos, algumas controvérsias, além, é claro, de insights geniais. Pode-se dizer que a invenção do diamante sintético, conhecido hoje no universo da usinagem como PCD (policristalino), tem vários desses elementos.
Existe uma história oficial, que descreve laboratórios bem equipados, máquinas especiais, mas existem outras versões, bem menos glamourosas e nem por isso (ou até por isso) menos interessantes.
A oficial diz que o desenvolvimento se deu em 1954, num laboratório da GE Global Research, dentro de um projeto batizado de Superpressure, criado cerca de quatro anos antes. “O pesquisador da GE H. Tracy Hall e três colegas construíram uma máquina que prensava o carbono com tanta força que o transformava na substância mais dura da natureza: o diamante. A descoberta rendeu à equipe um lugar no Hall da Fama dos Inventores Nacionais dos Estados Unidos”.
Essa versão está numa publicação relativamente recente no site da empresa (embora seja um tanto quanto distinta da divulgada à época da descoberta). O texto, numa tentativa de ser bem humorado, informa ainda que o desenvolvimento “não levou a GE ao negócio de jóias. Em vez disso, a empresa usou as “pedras” para fazer ferramentas para cortar e polir metais, vidros e até dentes”.
Histórias paralelas relatam que, para o projeto, a GE adquiriu uma prensa por cerca de US$ 1,17 milhão (em valores atualizados), com pressão de 1,5 milhão de libras por polegada quadrada e temperatura de 5.000°F, para a qual foi construído um prédio da altura de três andares. Porém, essa estrutura não teria funcionado. Na realidade, o processo bem-sucedido teria sido alcançado numa prensa comum, da marca Watson-Stillman (com 35 anos de uso), reformada pelo próprio Tracy Hall – químico com pós-graduação em físico-química -, com a ajuda de um amigo, ao custo de US$ 1 mil. A máquina ganhou ainda um “cinto” de metal duro, projetado pelo pesquisador, para suportar a pressão.
O projeto de reforma – segundo essa versão – não teria sido aceito pelos demais membros da equipe. Apesar disso, Tracy Hall teria dado prosseguimento às pesquisas na máquina reformada até que, em 16 de dezembro de 1954, quando Hall trabalhava sozinho no laboratório da GE, pois o restante da equipe já havia saído em férias natalinas.
“Meus olhos captaram a luz de dezenas de minúsculos cristais”
De acordo com essa versão, mais tarde Hall teria descrito assim o momento em que abriu a câmara de pressão após um de seus experimentos e se deparou com os diamantes assim: “Minhas mãos começaram a tremer; meu coração bateu rapidamente; meus joelhos enfraqueceram e não deram mais apoio… Meus olhos captaram a luz de dezenas de minúsculos cristais”.
Outra versão, que está na Wikipedia, especifica que Tracy Hall trabalhou no laboratório de pesquisas da GE em Schenectady, em Nova York. “Tendo a equipe trabalhado sem obter sucesso, Hall seguiu seu próprio caminho (…) e em 16 de dezembro de 1954 conseguiu produzir diamantes sintéticos com um aparelho de pressão (?) construído por ele”.
Ainda segundo a Wikipedia, “a pesquisa não foi suportada naquela época pela General Electric, tendo Hall recebido apenas 10 dólares em títulos do governo (outra versão fala em US$ 25), em reconhecimento ao seu desenvolvimento, embora já na época houvesse um grande mercado para diamantes industriais”.
A versão que está na www.pt.frwiki.wiki.com inclui outras informações. Diz que Tracy Hall fez parte de um grupo de cerca de meia dúzia de pesquisadores que realizaram a pesquisa, juntos, durante quatro anos. “Esses anos viram uma sucessão de experimentos fracassados e uma mistura de compartilhamento e rivalidade entre pesquisadores”.
Segundo a frwiki, “o sucesso de Tracy Hall, veio graças à determinação em seguir seu próprio caminho. Foi ele quem teve a ideia de uma reformulação total da prensa que permitiu que o projeto desse certo”. E acrescenta alguns dados técnicos: “Tracy Hall usou sulfeto de ferro e uma forma em pó de carbono como materiais de partida, usando um disco de tântalo para conduzir eletricidade para a célula e aquecê-la. A experiência foi realizada a cerca de 100.000 atmosferas , 1.600° C e demorou cerca de 38 minutos. Ao quebrar a amostra, aglomerados de cristais de diamante octaédricos foram encontrados nos discos de tântalo, que atuaram como um catalisador”.
Em fevereiro de 1955, a GE divulgou a descoberta e o assunto ganhou matéria de capa no “The New York Times”. Porém, o crédito foi dado à equipe, sem citar nenhum pesquisador em especial. Informou-se ainda que o trabalho foi realizado na prensa especial (que teria custado cerca de US$ 1,17 milhão, em valores de hoje).
Após a divulgação pela GE, outra empresa – a ASEA, da Suécia, que depois passou a ser conhecida como Asea-Brown Boveri e hoje como ABB – que até então vinha mantendo suas pesquisas em segredo, informou que havia produzido os primeiros diamantes sinttéticos, mediante procedimentos à alta pressão, em 1953.
Imagem de Tracy Hall, não identificada, provavelmente com o equipamento que desenvolveu após sua saída da GE
Insatisfeito com o tratamento recebido da empresa, ainda em 1955 Tracy Hall deixou a GE e foi trabalhar como professor e diretor de pesquisas da Universidade Brigham Young em Utah, onde deu prosseguimento a suas pesquisas em produção de diamantes artificiais e em química de alta pressão. Para tanto, o pesquisador precisou desenvolver um novo equipamento de alta pressão (tetrahedral press), pois a GE proibia o patenteamento de seu trabalho. Mais um detalhe: governo dos EUA chegou a classificar o de desenvolvimento de Tracy Hall como secreto.
Mais de uma década depois, em 1966, Tracy Hall se uniu a dois colegas professores, Bill Pope e Duane Horton, para criar a indústria de diamantes artificiais MegaDiamond, posteriormente vendida à Smith International. O pesquisador, ao longo de sua vida, obteve 19 patentes e recebeu vários prêmios.
Artigo publicado pelo Serviço Geológico do Brasil informa que, “em 1979, a produção de diamante sintético já chegava a 50 milhões de quilates (10 t) por ano e provinha de vários países, como a África do Sul e Japão. Em 1990, atingiu 385 milhões de quilates (77 t), provindo 55% dos laboratórios da General Electric, 35% da DeBeers e 15% de outras empresas. Naquele ano, o mercado movimentou 1 bilhão de dólares e o Brasil participou importando 10 milhões de dólares desse produto”.
Ao longo dos anos novos processos foram desenvolvidos para a obtenção de diamantes sintéticos. Um deles, o CVD, foi desenvolvido pela empresa japonesa Sumitomo Electric Industries, a partir de descobertas do cientista russo Boris Derjaguin feitas em 1960 e os primeiros resultados surgiram em 1987.
Por fim, em seu site, a GE informa que, embora tenha vendido a unidade de diamantes sintéticos, ela não abandonou completamente o carbono. Cientistas da GE Global Research, agora estão trabalhando com carboneto de silício – outro material duro à base de carbono, originalmente usado para lixa. Eles o estão usando para fazer microchips resistentes que podem lidar com megawatts de energia e tornar vários equipamentos mais eficientes, desde painéis solares a scanners de ressonância magnética e bombas de óleo.