(*) Aldeci Vieira Santos
Nos tempos do Fusca, do Corcel, do 147, eu saí da escola pública e fui para o Senai. Tudo era novidade para mim naquele mundo. Especialmente o linguajar, recheado de frases e expressões “técnicas”, mas que às vezes me traziam emoções fortes também. Logo no início ouvi um colega mais adiantado do curso dizer “essa peça já era, está morta”. Pensei em confortá-lo dizendo que a vida tem dessas coisas – vez ou outra temos de cuidar dos preparativos de um velório. Mas ele emendou, mais ríspido: “Matei a peça!”. E eu preferi ficar quieto. Sabe-se lá se o sujeito era mesmo capaz de cometer um assassinato…
Ainda aprendiz, eu brincava um bocado enquanto tentava clarear minhas idéias. O que seria um graminho? Filhote de grama? E quem eram os pais da lima bastarda? Ou de sua irmã mais delicada, a murça? Será que a namorada de alguém reagia tranqüilamente à notícia de que ele passou o dia todo fazendo uma rosca trapezoidal para substituir o fuso da fresadora?
E aquele papo de ferramenteiro de bancada. “Fui fazer um ensaio no balancim e o macho engripou. Daí, só no maçarico, mas depois de muito esforço para salvá-lo, veio a notícia: o estampo morreu!”.
Quando fui para a prática na indústria, tomei contato com as conhecidas “gambiarras”. E como tem gambiarra por aí! De todos os tipos e para todos os gostos. E também passei a ter que “picar o ponto” ou ” bater o cartão”. O que será que passa pela cabeça do filho quando ouve o pai dizer: “Ih, hoje esqueci de picar o ponto!”. Na época das primeiras e grandes greves, quando a repressão era brava, falava-se muito dos “pelegos”, dos “nós cegos” e de uma terrível “lista do facão”. Mas havia o direito ao lazer, como ainda há, e na primeira vez que eu tirei um tempinho para jogar dominó no horário do almoço, o torneiro – que tinham acabado de me apresentar – disparou: “Vou matar sua carroça! Essa tá morta e vai ser lambreta!”. Quase ao mesmo tempo veio da mesa de ping-pong ao lado um sonoro “fiz família, desce um!”.
Para quem não está habituado ao dia-a-dia da indústria, a confusão pode ser grande. Para que serve uma placa de castanha mole? Para alimentar banguelas? Ou para fazer docinhos de aniversário? Juntando com óleo refrigerante (de preferência bem gelado) e cavaco (autografado por Zeca Pagodinho) estará tudo pronto para a festinha?
Será que a enfermaria tem todos os dados de corte?
E a tal de fresa abacaxi, deve ser uma encrenca danada, não é mesmo?
E o macho alargador? Sem comentários.
Em geral as indústrias metal-mecânicas têm uma seção de armas onde podem ser encontradas, por exemplo, brocas-canhão e brocas espada (fabricadas pelo Zorro ou pelo pessoal do Casseta & Planeta?). Agora, é melhor não perguntar para que serve uma broca trepanadora. Ao entrar na seção, não tente prevenir-se levando um barramento, porque mesmo com este nome ele não costuma servir de escudo. E se é que alguém não sabe, paquímetro não é um estacionamento de pacas, onde os mais aventureiros possam querer abater os pobres animais mais facilmente.
Agora que trabalho no Departamento de Treinamento da Sandvik Coromant, estou tendo muito prazer em enriquecer meu vocabulário com expressões que ouço no interior de São Paulo e em outros Estados. No Espírito Santo, uma superfície áspera é “caracachenta”, traduzida para “ruspiosa” em Piracicaba (SP) e “cabeluda” em outros lugares. Em São José do Rio Preto (SP), porta-ferramentas é chamado de “porta-gavião”.
Os economistas falam “economês”, para complicar o raciocínio de simples cidadãos. Mas nós, da área de usinagem, empregamos o “usinês” para esclarecer bem as coisas. Faça um teste com a sua esposa durante o café da manhã: “Hoje vai ser um dia duro. Preciso descascar um tarugo. Vou precisar da talha para fixá-lo à placa e não posso esquecer do furo de centro para o contraponto… E é importante que o cavaco saia quebrado para não gerar fita e encher a caçamba muito rápido. Depois, tranqüilo, é só facear e fazer o chanfro”.
Ela vai entender tudinho!
* Aldeci Vieira Santos é supervisor de Treinamento da Sandvik Coromant